Porque um sorriso não se nega...

Os semblantes mais tristes que conheço, deambulam pelos corredores do hospital onde trabalho, o IPO. Carregam o drama da doença do século, ou outros, não menores, nem menos preocupantes. Doentes e familiares que não escolheram estar ali, resignam-se ao infortúnio das maleitas da doença, do apodrecimento involuntário do corpo, agarrados na fé e na esperança que o universo lhes garanta a reviravolta merecida, a misericórdia do esforço e a bênção da salvação.
Contudo, nem tudo é tão cinzento como se faria prever. Nos mesmos corredores onde se caminha a custo, no equilíbrio ténue entre confiar que tudo vai correr bem e esquecer o sintomas físicos da doença, há sempre espaço para trocar um sorriso, com um desconhecido olhar triste, mas esperançoso. Ninguém nega um sorriso, por muito que o medo se apodere do corpo, dos sonhos, da alma, nunca como ali se deu tanto valor à força do sorriso sincero, quente, carregado de boas energias, doce e iluminado, que se dá, sem querer nada em troca, senão um sorriso, com a mesma força, a mesma vitalidade, a mesma esperança que não há doença no mundo, por mais injusta que seja, que nos retire a vontade de, que por muito breve que seja, ser feliz no sorriso de um qualquer estranho que nunca mais connosco se cruza.
Não posso negar que gelo de cada vez que ali entro, e que agradeço por ir apenas trabalhar. Aprendi a nem resmungar por trabalhar. Gratidão, é a palavra de ordem! Eu faço de tudo para minimizar a dor de quem nem sequer conheço, dos rostos e sorrisos com os quais me cruzo uma única vez. Compro raspadinhas, cafés, vejo talões de multibanco, tiro fotografias, acompanho a qualquer serviço, ando de elevador,...tudo o que me pedirem, sempre com um sorriso, de boa vontade, com o coração cheio e um medo acutilante que aquele seja um último desejo. Quem me conhece bem, sabe que tenho sorriso fácil, mas nunca como ali ele salta tão vigoroso, de orelha a orelha, como uma espécie de citotóxico milagroso capaz de curar qualquer doença. Porra, como eu queria que só isso bastasse! Não chega, é um facto, mas ameniza-me a angústia da impotência que trago na alma. Faço o meu papel, por mais pequeno e insignificante que possa ser. 
Porque um sorriso não se nega...


Crédito da Imagem| Filipe Inteiro para a Campanha Despir o Preconceito




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